No ano em que Ayrton Senna conquistou o tricampeonato mundial de Fórmula 1, o Brasil recebia o lançamento de um modelo que iria mexer com toda a década de 90.

Era novembro de 1991 e estamos falando sobre o Fiat Tempra. A fabricante italiana apostou bastante no modelo e até criou itens específicos para o público brasileiro. Na Europa, o Fiat Tempra já havia sido lançado desde janeiro de 1990, em substituição ao Fiat Regata.

Por um período de sete anos, entre 1990 e 1997, o Fiat Tempra foi produzido em solo italiano. No Brasil, a produção foi intensa entre 1992 a 1999, com direito a uma versão exclusiva de duas portas fabricada de 1993 a 1995.

O mercado em 1991

Fiat TempraNo ano de 1991, o mercado brasileiro estava abrindo as portas às importações. No entanto, a indústria enfrentava uma forte carência de carros originalmente modernos.

Estávamos neófitos com a grande sensação da injeção eletrônica que havia sido lançada em 1988 pelo Gol GTi. Nas praças, muitos Santanas/Versailles e Monzas que já exibiam algumas modernizações como freios ABS e injeção eletrônica.

Era o momento do surgimento de destacados carros médios, que até hoje disputam uma grande fatia do mercado automotivo.

Foi pensando nesse nicho, que a Fiat lançou o Tempra. Com apenas 15 anos de estrada, a fabricante italiana marcou presença por ser uma fornecedora de veículos “pequenos e baratos”.

Atuando em diferentes segmentos, a Fiat lançou o Tempra como um carro de sofisticado estilo.

Design

Uma traseira elevada e curta, com traços sóbrios e levemente arredondados. O design do Tempra teve um “quê” de contemporâneo e europeu.

Recentes técnicas de aerodinâmica que faziam sucesso no período foram incorporadas ao veículo, a exemplo do formato em cunha da frente, os vidros rentes à carroceria, os limpadores de para-brisa mais recuados e os retrovisores “vazados”.

A diferença do modelo brasileiro para o europeu estava nos retrovisores, no alojamento da placa traseira e na remoção do limpador traseiro, que surpreendeu muitos clientes.

Se no design tivemos poucas mudanças, grandes transformações foram aplicadas nas demais particularidades do veículo.

O primeiro

Fiat Tempra - Vários modelos

No Brasil, os concorrentes do Tempra eram sedãs médios como o Monza e o Santana/Versailles. Ou, ainda, modelos mais sofisticados como o Omega.

Se o modelo europeu era versão 1.4 a 2.0, no Brasil só tínhamos a modalidade 2.0 8V. Era uma forma de se equiparar ao seu antecessor argentino, o Regata.

As principais características do primeiro modelo brasileiro do Tempra eram:

  • Pneus mais largos e de perfil mais alto
  • Suspensão recalibrada
  • Novos pontos de solda na carroceria
  • Densidade das espumas dos bancos

O modelo também foi bastante elogiado por apresentar um acesso ao interior bastante confortável, garantindo a acomodação de cinco pessoas, mesmo as mais altas.

Um porta-malas com capacidade para 424 litros de bagagem, de fácil acesso, com uma tampa que descia até a altura do pára-choque.

A Fiat apostou na transmissão de cinco marchas como um trunfo, por garantir engates suaves e precisos. Todas essas mudanças no acabamento terminaram por garantir um considerável conforto em relação ao Tempra Europeu. O modelo brasileiro estava mais próximo de um carro premium e elegante, com bastantes revisões feitas sob medida para agradar o consumidor brasileiro.

Que conta a história do Tempra também destaca que ele foi apresentado em duas versões de acabamento: a básica, chamada informalmente de Prata por causa do nome oficial da mais luxuosa, a Ouro.

Na versão Prata, contava com apenas um tipo de carroceria, sedã de quatro portas. No entanto, todos os Tempra tinham encostos de cabeça no banco traseiro, painel com conta-giros, vidros verdes, motor 2.0 carburado e câmbio de cinco marchas.

Já a versão Ouro, vinha com vidros, espelhos e travas com acionamento elétrico. Itens acessórios como as rodas de liga leve e um acabamento de madeira legítima no painel de instrumentos davam um charme a mais no veículo. Para mais sofisticação, uma lanterna que poderia ser ligada no acendedor de cigarros ficava localizada no porta-luvas.

Com trilha sonora do U2

E se você ficou curioso para ver como esse novo modelo chegou aos olhos dos brasileiros, vale a pena assistir ao comercial de lançamento. Com a música Night and Day, do grupo irlandês U2, o novo tempo de Tempra chegou às nossas telonas.

A cada ano

Em setembro de 1992 foi apresentado o Tempra duas-portas para atender uma preferência muito particular do público brasileiro, que também "exigiu" o modelo duas portas para o Santana e Monza.

Apesar de esteticamente bem interessante, o Tempra duas-portas não emplacou.

Em março de 1993, a Fiat lançou o Tempra 16V, com o mesmo motor 2.0 atingindo 127 cavalos (28 a mais que o primeiro modelo). O primeiro com motor de quatro válvulas por cilindro em um modelo brasileiro. A velocidade chegava a atingir 202 km/h de velocidade, com aceleração de 0 a 100 km/h em 9,8 segundos. Nesse modelo, o consumidor podia optar por bancos elétricos forrados em couro, rodas polidas e acabamento diferenciado.

Fiat Tempra 16V

Para ousar um pouco mais, a Fiat lançou em 1994 a versão 2.0/8V Turbo, com 165 cavalos de potência. Velocidade máxima de 220 km/h e 0 a 100 km/h em 8,2 segundos.

Informações não oficiais dão conta de que um 16V Turbo chegou a ser desenvolvido. Entretanto, por conta da alta performance - bem melhor que a do carro que foi lançado – seria necessário redimensionar muitos componentes que se adequassem à cavalaria.

Tempra 16V Turbo

A elevação dos custos teria feito a idéia ser deixada de lado.

Ainda em 1994 foi criado um novo painel de instrumentos, com mais sofisticação no desenho. No final de 1994, a Fiat também lançou o Tempra com injeção eletrônica nas versões de duas e quatro portas.

O Stile chegou em 1995, com motor turbo, carroceria de quatro portas e rodas de aro 15.

Fiat Tempra Stile

Em 1995, mas como modelo 96, um novo Tempra remodelado foi desenvolvido. Em uma versão mais esportiva, a linha 1995 se destacou por apresentar uma remodelação completa no interior. Também em 1995, recebemos diretamente da Itália, o Tempra SW, versão perua do Fiat que oferecia, entre tantos opcionais, air bag.

Na linha 97, as versões passaram a ser chamadas de SX 8V e 16V e HLX. Nesta última, motor 2.0/16V. Uma versão City, desenvolvida para os taxistas foi lançada em 1998.

Em maio de 1998, como modelo 99, são introduzidas novas grades, maçanetas, pára-choques e acabamento interno.

Saída do mercado

Em maio de 1998, chegava ao mercado brasileiro uma outra novidade: o Marea. Ele acabou substituindo o Tempra, com evoluções na mecânica e um estilo mais moderno.

O Tempra saiu de produção em 30 de novembro de 1998, com 204.795 unidades.

Para alguns especialistas, três problemas centrais culminaram para o fracasso do Tempra brasileiro. Confira!

Poluição e mau cheiro

O mercado, no início da década de 90, ansiava por novidades. O Brasil vivia um intenso cenário de importações.

Uma das grandes notícias era a chegada da injeção eletrônica, que imprimia um grande diferencial diante do carburador.
Foi pensando nisso que a Chevrolet, principal concorrente da Fiat, anunciou injeção eletrônica para todos os seus modelos médios a partir de 1992.

E o que fez a Fiat? Lançou o Tempra com carburador, sendo necessária a instalação de um catalizador para controlar os poluentes. Reza a lenda que, além da poluição, também era produzido um odor de ovo podre pelo escapamento.
Para os entendidos, esse mau cheiro era gerado pela falta de sonda-lambda, um dispositivo que poderia corrigir a mistura ar/combustível e eliminar o problema. A injeção eletrônica só chegou ao Tempra em 1993 e 1994 (já como modelo 95).

Temperatura

A ventoinha do radiador do Tempra era armada por uma “cebolinha”. Para alguns, essa cebolinha interferia diretamente na temperatura do veículo, com prejuízo para os motores. O problema estaria no mau posicionamento da peça, que terminava por detectar a temperatura errada e só armava a ventoinha aos 110ºC. Com essa temperatura, quase todos os motores e óleos eram prejudicados.

Os cabeçotes e motores fundidos também não suportavam o excesso de calor. Na tentativa de resolver a falha, a Fiat lançou um kit de reparo bastante simples para mudar a posição da cebolinha. Isso evitava que o motor ultrapasse a temperatura dos 90º. O problema espalhou-se rapidamente e os comentários iniciaram mais uma crise para o veículo, que também enfrentava dificuldades com relação à reparação dos motores, pois nem todos tinham muita habilidade para a manutenção, o que gerava muitos reparos mal feitos.

Óleo

O tipo de óleo utilizado também teria influenciado na crise do Tempra. A Fiat recomendava o uso do Selénia Semi-sintético API SH, tipo 20W50, bastante utilizado nos anos 90 por atender as exigências de quase todos os carros nacionais.

O que não foi levado em consideração é que os motores 16V e Turbo trabalham sob altas pressões e temperaturas. Isso torna a troca do óleo cada vez mais abreviada, mesmo que ele seja sintético. No caso do Tempra, teríamos uma média de cerca de 5.000 Km, no máximo.

Os óleos sintéticos não eram tão utilizados pela grande maioria e, naquele período, chegavam ao país por meio de importações, com um valor consideravelmente elevado.

O que realmente tinha poder no mercado brasileiro eram os óleos minerais. O uso do óleo mineral para o Tempra não seria um problema, porque havia a possibilidade de diminuir o espaço de troca para 3.000 Km. A Fiat, entretanto, quis manter o padrão europeu para a troca de óleo, mesmo sabendo que o Brasil não tem a mesma política de gasolina e óleo do velho mundo. E, nessa teimosia, a fabricante italiana recomendou a troca de óleo após 20.000 Km e, em alguns casos, caindo para 10.000Km. Uma quantidade muito alta para o motor do Tempra. Esse conjunto de fatores desagradou a muitos consumidores.

Reparação

Os erros por parte das concessionárias também engrossaram a lista de reclamações contra o Tempra.

Tanto no diagnóstico, quanto na reparação sempre havia falhas por parte da mecânica. As justificativas iam desde a falta de treinamento dos profissionais ao fato do veículo ter sido mais sofisticado no modelo brasileiro. O certo é que as revisões e os reparos quase sempre deixavam a desejar.

Comentários

O consumidor sempre pensa conhecer bem o seu veículo, inclusive quando ele falha. Alguns vários comentários sobre o Tempra apontavam o porquê do seu fracasso final. Vamos a eles....

Custos com manutenção

Para alguns, a manutenção ficava na linha intermediária. Nem muito cara, mas também não tão em conta.

Consumo

O aumento do consumo no Tempra era constantemente explicado pelo junção do motor carburado + catalizador, que engessava o desempenho do motor. Automaticamente, ele acabava sendo mais exigido, o que ampliava o consumo. Sem falar nas desregulagens do carburador.

Frágil

O problema da temperatura terminava por deixar ainda mais frágil o motor do Tempra e, as sucessivas reparações eram consideradas uma desvalorização a mais do veículo.

Todo esse serviço de manutenção era restrito às concessionárias e um problema aqui, acabava por desencadear outros aqui, ali e acolá. O fato é que os motores do Tempra apesar de novos no mercado exigiam mão de obra específica para cuidar de tantas especificidades, o que também gerava mais custos para o dono do veículo.

Sucessores

Fiat Marea

A década de 90 foi lindamente marcada por esse veículo, ainda que alguns desses detalhes tenham mudado o rumo da sua trajetória. Esses pequenos detalhes citados acima fizeram uma grande diferença para o Fiat Tempra, apesar de seus dias de glória.

A posição de uma peça, que termina por influenciar na temperatura, o problema da troca de óleo e o fato do consumidor se sentir refém das concessionarias pode ter sido decisivo para que muitos deixassem de amá-lo.

Mas, esse não foi um privilégio apenas do Tempra. O seu sucessor, o Marea, parecia ser o carro dos sonhos. E... também enfrentou dificuldades relacionadas à troca de óleo e outras particularidades técnicas que deixavam a desejar no resultado final que chegava ao cliente. Para alguns especialistas, o próprio Linea, que atualmente acompanhamos, ainda sofre resquícios dessas falhas dos seus antecessores.

O que pode ser feito? Aprender com os erros e buscar satisfazer cada vez mais os brasileiros, apaixonados por carro.