O volume de mortes no trânsito brasileiro é análogo ao de um genocídio. Apesar de dramático, é difícil fazer os números ecoarem como deveriam. Tanto que a tarefa mais complicada para a equipe do Programa Volvo de Segurança no Trânsito foi “ler” as estatísticas de acidentes envolvendo ônibus e caminhões de forma confiável. Primeiro, pelo número grande de fontes possíveis, com formas variadas de recolhimento e compilação de dados. Mas também por nem sempre as informações serem divididas seguindo uma lógica comum por transportadores de cargas e passageiros, os principais clientes das fabricantes. E foi essa dificuldade que motivou os profissionais envolvidos a elaborarem o “Atlas da Acidentabilidade no Transporte Brasileiro”. Uma pesquisa que permitiu, por exemplo, perceber que apesar do aumento de 36% no número de acidentes na comparação entre 2008 e 2011 – foi de 141.120 para 192.308 –, 2012 já marcou o início de uma estabilização com leve tendência de queda, ao fechar com 184.489 acidentes registrados.

Um dos motivos apontados para essa redução foi a mudança na legislação da jornada de trabalho dos caminhoneiros, instituída em junho de 2012. Segundo o levantamento feito pela Volvo, com dados fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal, a principal causa de acidentes nas rodovias federais em 2012 foi a falta de atenção, com 61.176 ocorrências. E há uma morte para cada 36 acidentes deste tipo – o que soma 1.680 mortes. Já por ultrapassagens indevidas, há uma morte para cada cinco acidentes, em média – ou 818 mortes nos 4.132 acidentes registrados. No total, foram 8.665 mortes em sinistros com ônibus e caminhões em 2012.

Atlas da Acidentabilidade no Transporte Brasileiro

A partir do estudo, é possível identificar os principais dias e horários dos acidentes. A maior quantidade é durante o dia, mas os que têm mais índices de mortes ocorrem de madrugada, principalmente por volta das 4 horas. As tragédias com maior gravidade aconteceram aos sábados e domingos, com média de 60 e 70 mortos a cada mil ocorrências, respectivamente.

Até pela grande malha viária, as regiões Sul e Sudeste figuram no topo da lista desta contabilidade. Minas Gerais somou 26.711 acidentes, Paraná, 20.739 e Santa Catarina, 18.276. Também fica com Minas Gerais a dura posição de líder no número de mortes nas rodovias federais, com 1.196. Boa parte delas na BR 381, a Fernão Dias, que liga Minas a São Paulo. Seu ponto mais arriscado, inclusive, fica em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, onde aconteceram 720 acidentes envolvendo ônibus ou caminhões em 2012 – dois por dia. É também esta região onde mais mortes ocorrem na rodovia. No período, foram 16.

Um dos principais pontos de destaque do relatório elaborado pela Volvo está na divisão entre os acidentes envolvendo caminhões e ônibus. De acordo com o levantamento, aconteceram mais de 71 mil acidentes nas rodovias mais movimentadas do país envolvendo veículos comerciais. Além da Fernão Dias, estão na lista a Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, a Regis Bittencourt, que vai de São Paulo a Curitiba, e a BR 040, entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os caminhões aparecem em 62.852 deles, com 3.682 vítimas fatais – média de 10 mortos por dia. Já os casos que envolveram ônibus somam 10.630, com 764 mortes, ou pouco mais de duas por dia. “Essa leitura levanta a discussão da necessidade de uma fiscalização maior e mais eficiente em relação ao descanso dos caminhoneiros. Temos aí números federais. Se considerarmos estradas estaduais, certamente vai piorar”, adverte Anaelse Oliveira, responsável pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito.

O mais grave de tudo é que o número de mortes apresentado nestas estatísticas deixa de fora inúmeras vítimas fatais. Isso porque os óbitos computados pela PRF, por algum motivo inexplicável, só se referem a mortes ocorridas no local do acidente. Quando a vítima é levada para um hospital e morre depois de receber atendimento, ela deixa de ser vítima de trânsito – a “causa mortis” passa a ser múltiplas lesões ou traumatismo craniano, por exemplo, sem identificar a forma como a lesão ocorreu. “O ideal seria o Brasil ter um único banco de dados. Isso daria uma noção mais verdadeira do exato tamanho desse problema”, avalia Anaelse, que também lamenta não poder fazer uma análise eficiente das condições da frota que se envolvem nesses acidentes. “Nos boletins de ocorrência não constam também informações relevantes, como a idade do veículo, por exemplo”, critica.


Autor: Márcio Maio (AutoPress)
Ilustração: Afonso Carlos/Carta Z Notícias